Saiba tudo sobre a estética da “garota estranha” e as mais acaloradas discussões sobre a antimoda. Ouça aqui:
A estética da “garota estranha” com um visual confuso, diferente e audaz, que viralizou no Tik Tok, foge aos padrões vigentes e é vista, por muitos, como antimoda.
Será?
Não resta dúvida que a moda da “garota estranha” não é uma aposta do mainstream e muitos consideram essa estética “feia”.
Mas, se olharmos para a história da moda, vemos que, na realidade, vários movimentos no mundo fashion romperam com o que é tido como “convencionalmente” belo, por assim dizer, há um tempo.
Nos idos dos anos 60, os estilistas de vanguarda japoneses como Rei Kawakubo e Issey Miyake propuseram peças esfarrapadas e desconstruídas, uma nova estética que, nas décadas seguintes, ganhou a passarela das marcas de maior renome internacional.
Nos anos 70, veio à tona o movimento punk, e, nos idos dos anos 80, os grunges.
Assim, na moda, não só os estilistas japoneses, mas outros também romperam com a estética do momento como a britânica Vivienne Westwood, o americano Marc Jacobs, no início da carreira, e os exponentes da escola belga Raf Simons, Dries Van Noten, Martin Margiela e Ann Demeulemeester.
Os anos 90 foram os anos de ouro da moda de rua no distrito de Harajuku em Tóquio, e a extravagância criativa e rebelde dos jovens japoneses das subculturas ganharam o mundo.
Nos idos dos anos 2000, deu-se a ascensão do estilo de rua com os looks capturados pelo The Sartorialist.
O novo milênio trouxe consigo as redes sociais e, com isso, deu-se a democratização da moda, cada um sendo livre para publicar o que bem entendesse, com os looks mais estranhos viralizando na internet, ignorando-se as convenções e as tendências.
Assim, nos tempos de hoje, quando se fala tanto sobre a garota estranha das redes sociais às passarelas cabe a reflexão: afinal, essa estética é antimoda?
Mas, antes de responder a essa pergunta, vamos conferir o que e como é essa estética da “garota estranha”?
A estética da “garota estranha”!
A resposta a essa pergunta é simples: a estética “garota estranha” é a junção de muitas coisas.
Para alguns, o maximalismo é a chave para a tendência: quanto mais, melhor.
De fato, garotas estranhas adoram acessórios, texturas, peças kitsch, vintage e retrô, inexplicáveis camadas, silhuetas nostálgicas e combinações improváveis, ou seja, usam qualquer coisa que possam encontrar e considerar interessante.
Mas, embora na superfície essa estética pareça uma forma de maximalismo, vestir-se como uma garota estranha vai muito além do “mais é mais”!
É desafiar as convenções.
Depois de se libertar do que é, ou não, considerado “estranho”, ela tem liberdade para criar combinações inusuais.
É aplicar o método da tentativa e erro no vestir-se.
Ou seja, em vez de escolher uma tendência, a garota estranha veste todas e mistura com itens que já existem em seu próprio guarda-roupa.
Ela ama a experimentação, a singularidade e o estilo pessoal.
Pode-se dizer que essas garotas estão cansadas das tendências do mainstream e, propositadamente, escolhem o caos – desordenado, ilimitado e indefinido – e que, como tal, não seguem normas ou regras.
Isso levou alguns a chamá-lo de movimento antimoda, uma vez que esse estilo veio a romper com as tendências, correntes dominantes e o convencionalmente “belo” na moda e, consequentemente, fazer as pessoas parecerem “feias”.
Na verdade, no mundo da moda, em vários momentos, deparamo-nos com uma estética que foi considerada “feia”.
Todavia, qualificar algo como “bonito” ou “feio” é extremamente complexo…
Existem certos critérios pessoais e aspectos objetivos que nos fazem classificar, a priori, algo, ou alguém, como belo ou feio.
Além disso, na medida em que o conceito de beleza varia com o tempo, o que é considerado feio e inaceitável hoje pode tornar-se belo e desejável amanhã. “O belo é feio, e o feio é belo” como nos ensina Shakespeare.
Portanto, a estética da garota estranha é, de fato, antimoda?
A antimoda!
Antes de responder a essa pergunta, vejamos o que é antimoda.
Há quem diga que a antimoda teve origem nos anos 70 ligada à mensagem anticonsumista dos hippies.
Outros enfatizam os idos dos anos 80, com o movimento grunge e sua repercussão nos tempos de hoje, com os seus “primos” contemporâneos normcore, questionando o conceito de moda como conhecemos hoje.
Vale lembrar que a palavra normcore, nasce da união entre normal e hardcore, e refere-se a um estilo de vestir de maneira descomplicado, simples, básico e casual com peças sem marca, universais e, acima de tudo, atemporais.
Na verdade, os movimentos antimoda tendem a evoluir, como vimos dos grunges aos normcores, romper com o “convencional” e estão intimamente ligados ao dinamismo da própria indústria fashion.
E a história da moda nos dá muitos exemplos ilustres…
Nos anos 20, por exemplo, Gabrielle Chanel iniciou um movimento que foi considerado contracorrente na época, liberando as mulheres dos espartilhos e propondo trajes tendencialmente masculinos para elas.
Nas décadas seguintes, Yves Saint Laurent se apropriou de inúmeras outras peças masculinas dando as mulheres a possibilidade de vestir-se livremente.
Fico orgulhoso que as mulheres de hoje usem terninhos, smokings, caban e trench coats. De muitas maneiras, sinto que eu criei o guarda-roupa da mulher contemporânea.
Yves Saint Laurent, discurso de despedida da moda em 7 de janeiro de 2002
Com o passar do tempo, designers de sucesso como Miuccia Prada, Christopher Kane, Rick Owens e Rei Kawakubo souberam muito bem converter estéticas contracorrentes em comerciais.
Não podemos deixar de citar a estilista britânica Phoebe Philo, cujo estilo foi considerado por muito tempo “feio”e reformulado de uma maneira luxuosa para a marca francesa Celine. Vale a pena conferir o desfile da coleção de Primavera/Verão 2013.
Hoje Philo é famosa por propor peças projetadas com perfeição, resistindo ao perpétuo entra e sai das tendências de moda.
Na realidade, no mundo da moda tudo que é “novo” é um pouco “anti”.
Por exemplo, hoje um par de sandálias Birkenstock pode ser um item do guarda-roupa clássico, mas foram, e ainda são, consideradas por muitos “feias”, simbolizando, com perfeição, o visual antimoda.
Há, ainda, quem descreva a antimoda como reverso chique, nada mais que um suéter com uma padronagem inusual e jeans desfiados, looks que exigem uma certa atitude!
Em suma, a antimoda é um termo “guarda-chuva” para vários estilos que são contrários ao mainstream, à moda convencional e corrente.
Significa estar fora de qualquer padrão ou imposição feita pela indústria e pela sociedade, permitindo a cada indivíduo a total liberdade de vestir-se como bem quiser.
É claro que estilos antimoda podem até ser marcados por uma atitude de indiferença, ou surgir de questões políticas, que tornam a moda uma prioridade secundária.
Mas a antimoda, ao refletir um comportamento transgressor de pessoas, grupos e movimentos que surgem na sociedade, serve, muitas vezes, como inspiração para a própria indústria da moda, se tornando uma forma de expressão e identidade dentro dela.
Ou seja, o “out” torna-se “in”, o anti-fashion, fashion!
Nesse contexto, muitos dizem que não há que se falar em antimoda!
De fato, na moda contemporânea, já assistimos inúmeras associações entre moda e arte, mainstream e vanguarda, fast fashion e slow fashion, tornando-se difícil entender onde termina a moda convencional e começa o seu “oposto”, a antimoda.
Portanto, ser antimoda só é possível no contexto do mainstream, sem referência à qual, simplesmente não faz menor sentido.
Moda e antimoda compartilham, ao longo da vida, uma relação de amor e ódio!
Uma relação simbiótica: por um lado, a moda evolui alimentada por movimentos antimoda e, por outro lado, a antimoda surge como uma reação à moda convencional.
Se pensarmos que hoje em dia, quando tudo se move muito rápido, somos constantemente bombardeados por centenas de imagens e ideias e mal conseguimos encontrar algo nunca visto na moda, a antimoda que consegue romper com isso.
Nesse sentido, a antimoda pode ser considerada o motor que move a moda, parte dela, melhor dito, a antimoda é a “ovelha negra” da moda e é por isso que muitos a adoram!
Desafiar a moda é a coisa certa a se fazer.
Sem a antimoda provavelmente nós nos vestiríamos todos iguais.
A antimoda traz inovação e desperta a criatividade, ampliando as possibilidades de escolhas e de combinações de peças no guarda-roupa, ou seja, a antimoda é apropriada e torna-se significativa para a indústria da moda.
Vale lembrar que, ao expressar ideologias, valores e preferências nas passarelas, a antimoda se torna uma forma de comunicação e identidade dentro da moda, não contra ela.
Em conclusão, a antimoda existe, mas somente porque existe moda!
Afinal, a estética da “garota estranha” é antimoda?
A “garota estranha” percebeu que, pelo menos no vestir, as regras nunca deveriam ter tido lugar e não há nada de estranho nisso.
Basta pensar na trajetória de Bella Hadid, modelo e influencer, que nos últimos anos começou a montar os próprios looks, dispensando qualquer stylist e com seu estilo único, peculiar e anticonvencional tornou-se um ícone fashion.
Garota-propaganda dessa estética, fotografada em looks inesperados, excêntricos, é comum ver fotos de Bella Hadid num par de meias Nike na altura do joelho com saltos pretos e um par de shorts xadrez, numa espécie de clássico feminino estranho.
E ninguém melhor do que ela para nos explicar a lógica que move essa estética:
Quando saio de casa de manhã, o que penso é: isso me deixa feliz? Eu me sinto bem nisso e confortável?
Bella Hadid, Wall Street Journal, 17 de janeiro de 2022
Como Bella Hadid disse ao Wall Street Journal é disso que se trata a estética no final das contas: vestir-se sem normas e regras e, acima de tudo, para você mesma.
Depois de anos de ciclos de tendências acelerados, talvez a liberdade de escolha da “garota estranha”, vestindo um espartilho vitoriano com calças tie-dye e sapatos de plataforma, seja o que todos esperávamos.
Existe, de fato, um espaço que faz florescer o estilo pessoal, onde o “feio” se torna “belo” e vice-versa.
Assim, vestir-se como uma garota estranha é, em essência, desafiar as convenções, o que levou alguns a chamá-lo de antimoda.
Mas enquanto alguns abraçaram esse rótulo, outros o abordaram como uma reação a um ciclo de tendência acelerado.
E, de fato, se na nova normalidade buscamos criar uma indústria orientada a valores, precisamos acreditar que o estilo deve vir com substância e que as pessoas são mais do que a soma daquilo que possuem no guarda-roupa.
Com a democratização da moda na revolução digital, as roupas mais estranhas viralizando nas redes sociais, ignorando as convenções e as tendências do mainstream, a garota estranha é antimoda na moda.
Divertida, desequilibrada, sem renúncias e libertadora, assim é a estética da “garota estranha”!