Desde que voltei de Londres, para trabalhar como gerente de desenvolvimento de produto numa cidadezinha perto de Roma, eu me deparei com uma realidade surpreendente: o novo “Made in China”.
As peças que desenvolvemos na empresa voltadas para o segmento da classe média alta são produzidas, na maior parte, na China e chegam de lá impecáveis.
Meus colegas que também trabalham para grandes nomes da moda comentam o mesmo.
Hoje contamos com um arsenal de fornecedores chineses de primeira categoria, e nossas coleções são com frequência “Made in China”.
Em Londres, eu desenvolvia as peças para o desfile e a produção era bem mais centrada na Itália, embora a empresa já comprasse uma parte na China.
Agora em Roma, tive oportunidade de ver de perto essa mudança.
Claro, a produção na China tem lá suas peculiaridades.
Por exemplo, com os chineses é necessário ser muito preciso, porque eles levam tudo muito ao pé da letra, mas isso é um detalhe, pois o fato é que hoje obtemos um produto de qualidade.
No início do meu trabalho na moda, nove anos atrás, o modelo de produção chinês convencional – fabricação em massa, baixo custo e impactos sociais e ambientais negativos – era a regra.
Hoje, não podemos mais incorrer no erro de associar o produto chinês apenas a custo baixo, qualidade duvidosa e cópia mal-feita.
Na verdade, o quadro da indústria da moda na China é cheio de nuances.
E isso não se deu por acaso!
Por dentro do novo “Made in China”
Desde a surpreendente abertura econômica da China, iniciada pelo pragmático Deng Xiaoping em 1978, apenas dois anos após a morte de Mao Tsé Tung, que a economia chinesa, até então notadamente agrária, vem se industrializando.
No início desse processo, a China passou por uma série de reformas econômicas, sob o comando comunista.
Ao contar com mão de obra barata e realizar pesados investimentos, tornou-se uma economia exportadora de produtos de baixo custo.
No entanto, nos últimos anos, a China está se voltando para o consumo doméstico.
Em 2015, foi anunciado o plano “Made in China 2025”, uma estratégia que visava colocar o país na vanguarda da indústria com inovações em áreas de ponta.
Cadeias de suprimentos foram amadurecidas e investimentos em inovação incrementados em áreas como inteligência artificial, robótica e energias alternativas, dentre outras.
O fato é que hoje a indústria chinesa é sofisticada, com crescente intensidade tecnológica e inovação.
No Ocidente vemos espantados o novo “Made in China”.
E na moda não foi diferente!
Peças não são apenas produzidas, mas criadas na China com qualidade comparável ao resto do mundo.
Estilistas chineses estão se posicionando na vanguarda da moda – na criação, design e produção – e usam o “Proudly made in China” (“Orgulhosamente Feito na China”) nas suas peças, como conta o ótimo artigo da Elle.
A melhor notícia é que eles também estão comprometidos com o impacto positivo da indústria da moda.
Essa tendência vai ao encontro das opções de consumo das novas gerações na China, sobretudo a Geração Z .
Por dentro do e-commerce na China
Nos últimos anos, assistimos à expansão do e-commerce no mundo, suportado por inúmeras inovações que surgiram com a indústria 4.0.
Com a pandemia, tudo isso foi intensificado.
Na China, país em que o e-commerce já era expressivo antes da pandemia, esse movimento foi ainda mais acelerado e aponta para um cenário surpreendente nos próximos anos.
O país tem tudo para ser o primeiro do mundo no qual o e-commerce vai superar a venda das lojas físicas.
Não resta dúvida que a liderança da China no e-commerce não é inteiramente nova e está relacionado, em boa parte, ao tamanho do mercado chinês, como também ao reduzido espaço nas lojas.
A disputa por esse enorme mercado e o aumento da concorrência levaram o e-commerce a demolir as fronteiras entre os diferentes tipos de serviços, comuns no Ocidente.
As plataformas de compras online no país misturam pagamentos digitais, mídias sociais, jogos, mensagens instantâneas, vídeos e lives.
Super aplicativos oferecem tudo em um só lugar.
Vale lembrar que por aqui, no Ocidente, as empresas operam em nichos relativamente seguros e previsíveis, como, por exemplo, Amazon especializada no e-commerce, Visa em pagamentos, Google em busca.
Tudo indica que esse modelo chinês de comércio eletrônico está ganhando força fora da China e é provável que se torne dominante no mundo nos próximos anos.
Já temos amostras, com o Facebook, promovendo serviços de compras, engajando no “comércio social” e se valendo de mensagens do WhatsApp, e a Nike, oferecendo treinos online por meio de aplicativo digital.
Confira aqui o vídeo do The Economist.
Essa mudança pode ser uma ótima notícia para nós.
O aumento da concorrência normalmente implica em preços mais baixos, mais possibilidades de escolha e mais inovações.
Por dentro da Geração Z
Na moda, o reposicionamento da indústria chinesa e o sucesso do e-commerce se deve às novas gerações, sobretudo à Geração Z (GenZ).
Essa geração, nascida em meados dos anos 90 e sucessora dos Millenials, é o maior grupo consumidor e que mais investe em bens de luxo na China.
No pós-covid 19, a GenZ busca experiências holísticas de compra por meio da internet.
Para eles importa a singularidade, convivência e consciência ambiental.
Para a moda isso significa muito!
A GenZ considera que as marcas devem ser agentes ativos da mudança que eles querem ver no mundo, e estão, inclusive, dispostos a pagar mais caro por produtos “ecofriendly”, sustentáveis e mais saudáveis.
Vale lembrar que a geração Z conta com porta vozes ativos, os micro influencers, atentos às informações divulgadas na mídia, o que certamente evita armadilhas, como o greenwashing.
Com os olhos voltados para a China
Hoje, o mundo se volta para a China tentando entender o futuro do e-commerce que não para de crescer por lá.
Esse crescimento é apenas a ponta mais visível de uma transformação mais ampla da economia chinesa, que não se deu por acaso.
É resultante da conjunção de alguns fatores.
De um lado, houve a política industrial do governo chinês, que culminou com o “Made in China 2025”, a crescente digitalização dos processos e a produção cada vez mais mais voltada para o enorme mercado interno.
Na moda, esse novo “Made in China” surpreendeu com muita criatividade, design e inovação, orgulhosos da identidade nacional.
Por outro lado, os consumidores chineses, sobretudo das novas gerações, verdadeiros nativos digitais, mergulharam de cabeça no novo modelo de e-commerce, mas com um olhar próprio.
Compartilhamento de experiência em comunidades empáticas e a consciência social e ambiental passam a fazer parte do ato de consumir.
Valores reforçados durante o período de isolamento por conta da pandemia de Covid-19.
Isso é uma ótima notícia!
Ganham ainda mais espaço a moda consciente, a sustentabilidade e o slow fashion no fascinante do mundo da moda.