Há cerca de dois anos, em Copenhague, tive uma conversa que nunca esqueci. Um amigo que trabalhava numa empresa dinamarquesa com inteligência artificial me falou, com entusiasmo, sobre como a IA estava prestes a transformar nossa forma de viver — inclusive no meu universo, a moda.
Na época, aquilo ficou ecoando na minha cabeça. Logo começaram a surgir ferramentas como ChatGPT, Copilot, Gemini e DeepSeek, e o que meu amigo previu se confirmou: a IA começou a ganhar espaço na moda, com apps para montar looks, passarelas digitais e provadores virtuais — antes futuristas, hoje realidade.
No nosso Observatório de Tendências, acompanhamos tudo isso de perto. A IA não é só mais uma tecnologia em alta; ela está mudando profundamente como a moda é pensada, criada, produzida e consumida.
Hoje, criatividade e tecnologia andam juntas, a personalização virou padrão e a sustentabilidade, estratégia. Isso se traduz em coleções sob demanda, decisões baseadas em dados e novas formas digitais e imersivas de expressar identidade.
O futuro da moda já chegou — feito de códigos, conexões e muito estilo.
Moda e revolução industrial: o que uma coisa tem a ver com a outra?
Sou apaixonada por história, especialmente econômica e do vestuário. Sempre acreditei que olhar para o passado ajuda a entender o presente e prever o futuro. Para mim, a moda está ligada às grandes transformações do mundo e muitas vezes as impulsiona.
A Revolução Industrial é um exemplo claro: seu impacto vai além das fábricas, alcançando como vivemos, trabalhamos, consumimos — e nos vestimos. Desde o século XVIII, vivemos quatro revoluções industriais, da máquina a vapor à Indústria 4.0, marcada pela IA, robótica e internet das coisas.
A quarta revolução está mudando tudo — inclusive a moda
Diferente das anteriores, essa revolução não busca só eficiência, mas muda a essência da criação e do consumo.
Inteligência artificial, hiperconectividade e automação permitem que marcas repensem processos, ofereçam experiências hiperpersonalizadas, modelos mais ágeis e soluções sustentáveis.
Na moda, isso impacta diretamente como as coleções são criadas, produzidas, comunicadas e vendidas.
Moda e IA: transformações reais no dia a dia do setor
Como professora, consultora e no Observatório, vejo a IA ganhando espaço com diferentes intensidades. Às vezes sutil, auxiliando processos internos; outras vezes marcante, transformando criação, produção e venda.
Destaco as principais aplicações da IA na moda:
- Design e criação de produtos
• Geração de novos designs: a IA aprende padrões de estilo e cria roupas, estampas e acessórios inovadores.
• Prototipagem virtual: possibilita criar peças em 3D, ajustá-las digitalmente e reduzir custos de desenvolvimento. - Previsão de tendências
• Análise de dados de redes sociais, desfiles, vendas e comportamento de consumo para antecipar tendências com mais precisão. - Personalização da experiência do cliente
• Recomendações personalizadas com base em comportamento, histórico de compras e navegação.
• Provadores virtuais: uso de realidade aumentada para o cliente experimentar roupas digitalmente.
• Chatbots inteligentes: oferecem atendimento 24 horas, sugestões de estilo, acompanhamento de pedidos e suporte. - Otimização da produção e da cadeia de suprimentos
• Previsão de demanda: IA cruza históricos de vendas com clima, sazonalidade e tendências.
• Controle de qualidade: visão computacional detecta falhas em tecidos e peças durante a produção. - Sustentabilidade e transparência
• Redução de desperdícios: previne superprodução e otimiza o uso de materiais.
• Rastreabilidade: IA garante transparência em toda a cadeia produtiva, do fornecedor ao consumidor final.
IA: o futuro da moda já chegou (e ele é inteligente)
A IA não substitui a criatividade humana — é uma aliada. Ao cuidar do operacional e trazer insights baseados em dados, libera os criadores para inovar. A verdadeira revolução acontece quando criatividade e tecnologia caminham juntas.
Mas nem tudo são vantagens. O uso excessivo da IA pode gerar padronização estética e prejudicar a originalidade. Também existe o risco de perdermos a autoria verdadeira, dependermos demais da tecnologia e ignorarmos os vieses nos dados que alimentam esses sistemas.
Sem uma postura crítica e ética, a IA pode enfraquecer a diversidade criativa e ampliar desigualdades. Nem todos têm acesso às mesmas ferramentas, internet ou formação digital. Enquanto grandes marcas avançam rápido, muitos profissionais, especialmente em regiões com menos recursos, ficam para trás. A criatividade está em todos os lugares — o acesso à IA, infelizmente, ainda não.
Mesmo assim, quem trabalha na moda sabe: a transformação digital não é mais escolha, é necessidade urgente.