No ano passado, quando eu fui chamada para o curso de formação de professores no Istituto Marangoni em Paris, exultei!
Era como um sonho, esperei uns dez anos por esse momento.
Tinha sido chamada antes, mas simplesmente não conseguia um tempo livre no trabalho que me permitisse participar do curso.
Vocês até podem se perguntar: “mas ela não tinha sequer uns dias de férias?”
Não, na verdade, não podia tirar uns dias de folga quando eu bem entendesse.
Em Milão, as férias eram em agosto e ponto final. Férias coletivas, uma chatice!
Em Londres, as férias eram quando eles definiam.
Logo depois do desfile, em fevereiro e outubro, primeiro, a responsável pelos tecidos do desfile tirava os dias, depois eu, desenvolvedora de tecidos.
“Agora não é um bom momento para nós”, ouvi inúmeras vezes.
Em um ano, tinha uma semana intensa de fittings, no outro, tínhamos que finalizar as ordens dos tecidos para o desfile.
Com isso, como acontece com Amanda no meu livro, perdi o casamento de uma das minhas melhores amigas.
Enfim, vivia num corre-corre contínuo que não tinha fim.
Depois de dez anos de trabalho no backstage, larguei, por opção, uma gerência de desenvolvimento de produto em Roma e dei uma reviravolta na minha carreira, em busca de uma moda com mais significado.
Agora, depois do curso de formação, dou aulas de desenvolvimento de produto de moda no Marangoni em Paris, como sempre sonhei.
E num desses dia, antes de uma das minhas aulas, tomei um café perto da Place de la République com uma amiga que trabalha para a Balenciaga.
Já falei sobre ela, aqui no Blomme, no post “Reflexões: Paris, alta costura entre um clique e outro!”.
Dessa vez, ela me surpreendeu: “pedi demissão!”.
“Estou deixando a Balenciaga depois de dois anos e meio”, completou.
“Eu entendo você!” respondi, sem muito pensar.
Entendia por que ela estava tomando uma decisão tão radical como essa, lembrei-me do meu trabalho na Burberry, na equipe de Riccardo Tisci, e do meu pedido de demissão há poucos anos.
A minha amiga estava deixando o trabalho numa das marcas mais disruptivas do cenário fashion, controversa talvez, ainda mais depois campanha publicitária polêmica de Demna Gvasalia, mas também uma das mais desejadas do momento.
“Minha chefe fez uma reunião comigo no hospital com o filho internado, consegue imaginar?”, ela me contou.
“Isso não é vida!”, completou, pensativa, depois de um tempo.
A minha amiga estava deixando o trabalho dos sonhos, eu entendia bem o porquê.
E ela não era muito diferente de mim, ou das muitas garotas que trabalham no mundo da moda!
Quem leu o meu livro, tem uma ideia do quanto ralamos no trabalho, principalmente no início da carreira.
Naquela mesma manhã, durante a aula, uma aluna me perguntou: “Por que eu preciso aprender isso?”.
Por um minuto, veio a minha mente tudo que passei nesses 12 anos no mundo da moda, desde que vim estudar em Milão.
“O que você planeja fazer depois que terminar o curso?”, perguntei a minha aluna.
“Não sei!”, ela me respondeu.
“Digamos você queira lançar a sua linha de roupas e vender online”, disse. Detalhe, dou aula no curso de desenvolvimento de produto voltado para o marketing digital.
“Assim, você precisa saber como se constrói uma coleção, como fazer a pesquisa de tecidos, o custo das suas peças, como atingir os seus objetivos…” disse.
“Digamos você queira trabalhar para Chanel ou Dior”, sugeri, pensando, afinal, estamos em Paris, “no departamento de marketing ou de e-commerce, você deve saber o que é uma peça-piloto, entender as diversas categorias de produtos e os tipos de materiais que compõem as peças para descrevê-las online, ou pelo menos saber falar de igual para igual com os colegas das outras áreas. E, de mais a mais, é assim que os desenvolvedores de produtos trabalham na realidade”.
Não foi uma resposta rápida, mas tudo fez sentido naquele momento!
Eu podia falar com propriedade, depois de todos esses anos e das incontáveis horas no backstage.
Diante do legítimo questionamento da minha aluna, pensei na minha amiga, nas nossas escolhas, e como a educação é mais que produzir well adjusted people, pessoas bem ajustadas, e, ao nos fazer tomar consciência do que nos cerca, um caminho para promovermos mudanças positivas no mundo.
No caso da indústria da moda, inegável, há muito a ser feito na direção de uma moda consciente, afetiva e do design regenerativo, da sustentabilidade, das práticas sociais e ambientais responsáveis.
Tudo somado, é muito bom estar de volta à sala de aula!