Depois de meses e meses de home office, sem dúvida, muita coisa está mudando no mundo fashion. O primeiro a sofrer foi o salto alto, não um salto qualquer, mas o famoso salto agulha com 10 ou mais centímetros de altura.
Vale lembrar que um salto é considerado raso com altura até 2,5 cm, baixo de 2,5 a 6 cm, midi de 6 a 8,5 cm, alto de 8,5 a 10 cm e muito alto acima de 10 cm, segundo o método italiano também adotado no Brasil.
Os saltos podem ter várias formas, os mais conhecidos são o agulha, também conhecido como stiletto, este alto e fino, o quadrado, o cone, o Anabela e o vírgula.
Já em 2020, a NDP, empresa americana de pesquisa de mercado, havia registrado a redução nas vendas de sapatos de salto alto em 45% comparado com 2019, quando o mundo ainda não vivia os efeitos da pandemia.
A queda nas vendas dos sapatos com salto alto não pegou a indústria da moda totalmente de surpresa.
Em 2019, a NPD já apontava a queda nas vendas dos saltos altos de 12% na comparação com ano anterior.
A opção por peças “comfy” já era uma tendência na indústria da moda, que também identificou uma mudanças no perfil dos consumidores, que valorizam cada vez mais o conforto e o bem-estar e um novo modo de vida no qual ganham espaço o slow life, o comfort food e o hygge e a circularidade criativa.
O que ninguém esperava era que, com a pandemia, isso tudo fosse potencializado.
Fascinante num salto alto!
Até hoje o salto alto, compondo modelos criativos e sofisticados de calçados, foi uma unanimidade no mundo da moda no que se refere ao quesito elegância e uma presença constante nos desfiles de moda de alto luxo, bem como no meio corporativo e em eventos.
Quem não fica impressionado ao ver a cantora Ariana Grande recentemente voando sobre sapatos com salto de 12 cm, ou ainda, não se recorda da coleção invejável de saltos altos de Carrie Bradshaw e sua paixão por Louboutins e Manolo Blahniks no seriado Sex and The City e dos surpreendentes modelos exibidos no tapete vermelho na entrega do Oscar.
Isso sem falar em Melania Trump com os seus inseparáveis stiletti, utilizados em quase todas as situações, que causou, inclusive, controvérsia, ao visitar áreas devastadas do Texas pelas fortes chuvas ao lado do presidente Donald Trump num impecável stiletto preto.
Todos que transitam no mundo da moda sabem que o salto alto transmite uma imagem de poder, com toque de feminilidade sensual, aumentando, em muitas mulheres que os usam, a autoconfiança.
Na verdade, o salto alto exerce um certo fascínio sobre as mulheres, quer os usem ou não.
O salto alto vai continuar no closet!
Nos últimos meses, com a pandemia, o lock down e o home office, mudaram-se nossos hábitos e isso fez com que o bem-estar se tornasse um valor no mundo da moda tão importante quanto o design.
Os meses passados em casa, longe do ambiente formal de trabalho, dos eventos e festas, teatros, cinemas, restaurantes, museus, entre outros, fizeram com que os trajes formais ficassem descansando nos closets e a nós repensar o que usar…
Aliado a isso, a possibilidade de uso diário de sapatos baixos e confortáveis, tênis, sandálias rasteiras e chinelinhos nos mostrou o quanto é bom o conforto dos pés!
Para muitas, a possibilidade de escolha do estilo de vestir mais descontraído e à vontade, como o homewear, streetwear e o próprio sportswear, significou mais que uma opção pelo conforto e bem-estar, mas uma verdadeira ressignificação e rompimento com padrões culturais travestidos de verdadeiros“pré-conceitos”.
A opção por abandonar os saltos altos, ou pelo menos flexibilizar a sua obrigatoriedade no código de vestimenta em muitas situações pessoais e profissionais, me faz lembrar de outros momentos da história do vestuário feminino, quando as mulheres quebraram padrões culturais vigentes e abandonaram os espartilhos, trocaram os maiôs por duas peças e queimaram os soutiens no auge do movimento feminista nos EUA em 1968.
Enfim, a opção de abandornar o salto alto não deixa de ser um ato de liberdade, uma conquista que veio para ficar.
Passeando na história de salto alto!
Consta na história da moda que os primeiros sapatos de salto alto foram encontrados no antigo Egito há 3.500 a.C., mas eles ganharam funcionalidade na Pérsia que teve seu auge no século VI a.C.
Os cavaleiros persas usavam um tipo de bota com salto para firmar a posição dos pés nos estribos durante as cavalgadas e ter melhor equilíbrio e estabilidade ao lançar as flechas e durante as lutas.
Na Idade Média também foram usados sapatos altos com solados de madeira, que mantinham distância dos detritos e lamas das vielas das cidades medievais, barulhentas, escuras e sujas, cercadas por enormes muros de pedras.
Foram os ricos e poderosos venezianos, na Sereníssima República de Veneza (séculos IX ao XVIII) da Península Itálica, que transformaram os sapatos altos, com seus designs e tecidos luxuosos, num verdadeiro símbolo de status.
A nobre italiana Catarina de Medici, quando se tornou rainha consorte do rei Henrique II da França (de 1547 a 1559), levou consigo sapatos altos feitos pelo artesão italiano Constantino Coccinelle e popularizou-os na corte francesa, moda que logo se espalhou na Europa.
Conta a história que Catarina de Medici tinha baixa estatura e apreciava os saltos altos que lhe davam imponência.
Também Luís XIV da França, o conhecido rei Sol, que como Catarina de Medici era baixo, cerca de 1,60 m, adotou os sapatos com salto alto para aumentar a altura e transmitir majestade.
Ele restringiu o uso do salto alto apenas à nobreza, o que aumentou ainda mais o prestígio desse item do vestuário, tornando-o um verdadeiro símbolo de poder e riqueza.
Com a Revolução Francesa e o movimento de igualdade entre as classes sociais, o salto alto foi defenestrado e ficou um bom tempo “fora de moda”.
No século passado o salto alto voltou com força e teve a luxuosa ajuda de Hollywood, que o transformou definitivamente num símbolo de elegância.
Na década de 50, Roger Vivier, designer que trabalhava para Christian Dior, desenvolveu o primeiro salto agulha, o famoso stiletto, que foi inclusive malvisto em diversos lugares diante do dano que poderia ocasionar nos pisos mais delicados, como a madeira, e até banido de alguns espaços públicos.
A criatividade de designer Christian Louboutin, com os seus cobiçados sapatos de saltos altos de solados vermelhos criados nos anos 90, fez com que este item se popularizasse ainda mais e tornasse o queridinho das celebridades.
O fato é que o salto alto passou a fazer parte do imaginário feminino dentro e fora das passarelas.
O futuro do salto alto!
No futuro, quando a pandemia passar e os eventos e trabalhos voltarem a ser presenciais, certamente muitas mulheres vão deixar os saltos altos enfileirados nos closets.
Outras, certamente, aguardam com ansiedade o momento em que poderão usá-los novamente!
De toda forma, a presença do salto alto no código de vestimenta entrou em desuso e, o mais importante, o seu uso será uma opção de cada uma!
Os estilistas e as marcas já se deram conta desse movimento, intensificado com a pandemia, e estão incorporando as mudanças de comportamento das suas clientes nos seus designs, como Christian Louboutin, que lançou sua coleção de calçados streetwear e tênis, e a grife Valentino, que exibiu botas de combate na passarela sob um vestido de noite.
Vale lembrar que Ariana Grande ousou com seu salto de 12 cm, mas num sapato plataforma de bico largo, e com isso aliou o fascínio da “altura” com o conforto do design.
Não é um caminho?