Refletir sobre o futuro da alta-costura, especialmente em momentos de transformação e incerteza no setor da moda, é um desafio constante. Por atuar com ensino e consultoria, estou sempre atenta às movimentações do mercado.
Recentemente, li um artigo na Vogue que apontava um retorno à fantasia como resposta aos desafios atuais. Mas será que a alta-costura, em sua essência, já não é, por natureza, um território de sonhos e escapismo?
É verdade que o quiet luxury deu um tom mais sóbrio às últimas coleções, mas agora observo uma inclinação para o maximalismo, para a celebração da beleza e da extravagância. Talvez seja apenas um ciclo da moda, mas me parece que a alta-costura está voltando a cumprir o seu papel de nos transportar para um mundo de possibilidades.
Em tempos de incerteza, a alta-costura reacende a chama da fantasia
A temporada de alta-costura primavera/ verão de 2025 chegou ao fim, e os desfiles de marcas renomadas como Schiaparelli, Dior, Chanel, Valentino e Armani trouxeram novas perspectivas para a moda. As primeiras semanas de moda do ano sempre ditam o tom para o restante dele, e desta vez não foi diferente.
Schiaparelli: um manifesto contra o minimalismo
Sob o comando de Daniel Roseberry, a Schiaparelli abriu a temporada com um questionamento provocador: por que a modernidade precisa ser sinônimo de simplicidade? “O novo também não pode ser elaborado, barroco, extravagante?”. A coleção seguiu essa linha, com modelos exuberantes e volumosos que desafiaram a tendência do “quiet luxury”.
Valentino: a estreia de Alessandro Michele na alta-costura
A aguardada estreia de Alessandro Michele, conhecido por sua estética maximalista na Gucci, foi marcada por saias gigantes, bordados deslumbrantes e vestidos com saias estruturadas, comprovando que sua moda não tem nada de discreta.
Jean Paul Gaultier: um show de talentos e teatralidade
A Jean Paul Gaultier, que a cada temporada convida um designer para criar sua coleção de alta-costura, apresentou Ludovic de Saint Sernin, que orquestrou um verdadeiro espetáculo. As modelos desfilaram com atuações dramáticas e performáticas, à la Galliano, adicionando um toque teatral à apresentação.
Dior: um toque de ousadia e rebeldia
Até mesmo a Dior, sob a direção de Maria Grazia Chiuri, pareceu aumentar o volume de sua alta-costura. Acessórios de cabeça que lembravam moicanos punk, vestidos com anáguas aparentes e flores escorrendo trouxeram um toque de ousadia e rebeldia à coleção.
O fim do “quiet luxury”?
Diante de tantas propostas extravagantes e maximalistas, fica a pergunta: a moda teria se cansado do “quiet luxury”?
Um ano de mudanças e novos rumos
2025 tem sido um ano de grandes transformações no mundo da moda, com a saída de Virginie Viard da Chanel e de John Galliano da Margiela, além da chegada de Matthieu Blazy à Chanel, Glenn Martens à Margiela e, possivelmente, Jonathan Anderson à Dior. Além disso, Alessandro Michele assumiu a direção criativa da Valentino após a saída de Pierpaolo Piccioli.
A moda como reflexo do mundo
Atualmente, o talento dos estilistas reside não apenas em criar roupas, mas em como elas refletem o mundo ao seu redor. A emergência climática, a instabilidade política, o avanço da inteligência artificial e as mudanças nas mídias sociais são alguns dos fatores que influenciam a moda contemporânea.
Hoje, o talento dos estilistas não se resume apenas à criação de roupas, mas também à forma como elas refletem o mundo ao seu redor. A emergência climática, a instabilidade política, o avanço da inteligência artificial e as mudanças nas mídias sociais são alguns dos fatores que influenciam a moda contemporânea.
A crise do luxo e o refúgio no escapismo
A desaceleração do mercado de luxo, impulsionada por fatores socioeconômicos, pelo enfraquecimento de mercados importantes e pela “fadiga do luxo”, tem levado as grandes marcas a buscar novas estratégias. Em tempos de crise, a moda historicamente se refugia no escapismo, e a alta-costura, como sua expressão máxima, não é exceção.
O papel da alta-costura em tempos de crise
A alta-costura, com sua história de superação de crises e sua capacidade de captar o zeitgeist, tem um papel fundamental a desempenhar em tempos de incerteza. Apesar de ser destinada a um público seleto, a alta-costura consegue dialogar com um número muito maior de pessoas, seja através de suas criações que inspiram produtos mais acessíveis ou como um exercício de criatividade que transcende as pretensões comerciais.
A alta-costura é sobre o fazer moda, sobre técnicas e tradições centenárias, sobre o trabalho de centenas de artesãos e milhares de horas dedicadas à criação de peças únicas e luxuosas. Apesar de poucos poderem comprá-la, muitos podem sonhar através dela, e é nesse sonho que reside o poder da alta-costura.
